terça-feira, 27 de julho de 2010

Sobre a nova lei contra palmadas

Não existe palmada bem dada
Violência gera violência, como a neurociência já constatou diversas vezes


CLARO que o objetivo não é colocar na prisão aqueles pais que, incapazes de resolver desavenças com seus filhos na base da conversa, recorrem à punição física na forma de "uma palmada bem dada", no afã de impor alguma sombra de autoridade.
O estatuto que proíbe a punição corporal de crianças visa a que se deixe de considerar normal, necessário ou saudável "educar" com violência. Como a sociedade que pune com prisão quem bate em velhinhos aceita que pais batam em suas crianças?
O problema tem vários níveis, e só um deles (ainda que de grandes consequências para as gerações futuras) é o seguinte: violência, não importa em qual forma, gera violência, como a neurociência já constatou várias vezes.
Funciona igualmente com camundongos e com humanos: o cérebro que recebe maus tratos na infância sofre várias mudanças, incluindo alterações em seu sistema de recompensa, que antecipa bons resultados; na amígdala, que sinaliza maus resultados; e no hipocampo, que forma memórias novas e cuida de nossa lista mental de "problemas a resolver".
O resultado? Crianças que recebem restrição corporal, palmadas, sacudidas ou abuso verbal (castigos que muitos consideram brandos) se tornam adultos com propensão a comportamento antissocial e agressivo, transtornos de ansiedade, depressão, alcoolismo e outras formas de dependência química.
"Mas eu recebi palmadas na infância e me tornei um adulto saudável, portanto, palmadas não fazem mal", dizem vários defensores das palmadas educativas.
Pelo contrário: graças à resiliência do cérebro (sua capacidade de se recuperar de agressões variadas), ao que tudo indica essas pessoas que sofreram maus tratos na infância provavelmente se tornaram adultos saudáveis APESAR das palmadas.
E, justamente por causa da capacidade do cérebro de se adaptar, essas crianças punidas com violência viraram adultos que hoje acham normal... punir com violência.
Felizmente existe antídoto, tão ao alcance quanto uma palmada. Também funciona com camundongos e crianças, também é comprovado pela neurociência, também muda o cérebro para o resto da vida e se autopropaga.
Chama-se carinho e, no caso dos humanos, se vier acompanhado de apoio moral, bons exemplos, compreensão e conversa, melhor ainda.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

Fonte: Folha

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A ler: O castelo nos Pirineus - Jostein Gaarder


Casal se encontra após decadas e revê relação em romance  filosófico

No romance, por cinco anos intensos na década de 1970 Steinn e Solrunn foram felizes juntos. Então tomaram rumos diversos, por razões desconhecidas a ambos. No verão de 2007, depois de 30 anos distantes, eles se encontram por acaso no terraço de um velho hotel de madeira às margens de um fiorde no oeste da Noruega, um lugar intimamente relacionado à separação no passado. Mas terá sido esse encontro, em lugar tão significativo, um mero acaso?

Buscando respostas a essa pergunta, e para entender como um relacionamento que prometia ser duradouro pôde acabar subitamente, o ex-casal começa uma frenética troca de e-mails. Na linguagem dessas missivas apressadas que inundam nossa vida cotidiana, os dois esboçam visões de mundo antagônicas e explicações contraditórias para o fim do romance.

De um lado, o climatologista Steinn apenas crê no que pode ser provado pela ciência e pela razão. De outro, Solrunn, uma mulher religiosa, acredita na transcendência, em um espírito além do corpo e de nossa existência terrena. Disso resulta que as experiências compartilhadas pelos dois no hotel no litoral (a de trinta antes e a do verão corrente) serão entendidas de modo muito distinto por cada um. Apesar de se respeitarem, eles não podem concordar com a concepção do outro - até que suas certezas sejam postas à prova.

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terça-feira, 13 de julho de 2010

A ler: A arte de ser feliz - Arthur Schopenhauer


Busque saúde e evite o sofrimento, ensina "A Arte de Ser  Feliz"

Fuja de tudo com potencial de provocar sofrimento. Deixe de ser pretensioso nos seus planos e sonhos. Evite a cobiça e a inveja. Cultive a saúde, o conforto e o bem-estar. Não se preocupe demais com o passado nem com o futuro. Tudo se transforma. Não deixe transparecer ódio nem raiva, expressões pouco inteligentes. Observe quem está em situação pior que a sua.

Esses conselhos fazem parte da fórmula da felicidade na visão de um filósofo do pessimismo. O livro "A Arte de Ser Feliz" reúne o material que Arthur Schopenhauer (1788-1860) escreveu sobre o desejo máximo da humanidade. Esses escritos só vieram a público após a morte do pensador, amado pelos artistas como o compositor alemão Richard Wagner, para quem Schopenhauer era "o maior filósofo desde Kant.

O livro traz 50 máximas. Antes de apresentá-las, a obra traz uma introdução sobre o pequeno manual de pérolas de sabedoria. Aqui descobrimos por que na Alemanha não havia, na época, interesse em publicá-lo. Havia a avaliação de que ninguém iria querer aprender felicidade com um professor de pessimismo.

Aos sete anos, Schopenhauer perdeu o pai. A mãe, romancista, o criou em salões frequentados por escritores e intelectuais. Para ele, a arte tem a suprema função de ajudar a entender o mundo e nosso papel nele. Na sua visão, o verdadeiro artista é desinteressado em seu trabalho, ou seja, não tenta criar um fruto tão tentador que nos dê vontade de comê-lo, mas simplesmente apresenta a beleza pura do objeto.

Em "A Arte de Ser Feliz", Schopenhauer revela que "viver feliz" é uma impossibilidade. Desde a hora do nosso nascimento, estamos morrendo. Para ele, buscar a felicidade seria, no máximo, reduzir o número de ocorrências da dor em nossa existência, driblar situações desgastantes, impedir que nossa vaidade, orgulho, arrogância e prepotência nos empurre para embates inúteis, que nos distanciam da serenidade de espírito.

"A felicidade completa e positiva é impossível; em vez dela, pode-se esperar apenas um estado relativamente menos doloroso. A compreensão disso, porém, pode contribuir em muito para nos fazer desfrutar o bem-estar que a vida concede. Além disso, é muito raro que os próprios meios úteis a tal objetivo estejam em nosso poder."

Para Schopenhauer, a saúde pode substituir tudo, mas nada pode substituí-la. "Sem ela [saúde] não se pode experimentar nenhuma felicidade externa, que, portanto, não existe para quem a possui mas está doente. Com saúde, tudo é uma fonte de prazer. Por isso, um mendigo saudável é mais feliz do que um rei doente."

A ler: O andar do Bêbado - Como o acaso determina nossas vidas - Leonard Mlodinow


Sinopse

"O Andar do Bêbado", do físico americano Leonard Mlodinow, explica por que as pessoas apresentam tanta dificuldade em aceitar o acaso e compreendê-lo. Segundo Mlodinow, os processos aleatórios são fundamentais na natureza e onipresentes em nossa vida cotidiana. Ainda assim, a maioria das pessoas não os compreende nem pensa muito a seu respeito. Como não estamos preparados para lidar com o acaso, muitas vezes tomamos decisões erradas por ignorá-lo, apoiados na ilusão de controle.

Num tom irreverente, o autor costura casos emblemáticos a teorias matemáticas, citando pesquisas e exemplos presentes em todos os âmbitos da vida, do mercado financeiro aos esportes, de Hollywood à medicina.

Mais do que uma visão geral sobre aleatoriedade, sorte e probabilidade, Mlodinow lembra que muitas coisas em nossas vidas são tão previsíveis quanto o próximo passo de um bêbado depois de uma noitada. É impossível manter o mesmo olhar diante dos acontecimentos depois de ler essas teorias.

Comentários
"Perturbador e interessantíssimo. O autor pulveriza matematicamente certezas sobre julgamentos de mérito em todas as atividades humanas."

William Bonner

"Um guia maravilhoso e acessível sobre como o aleatório afeta nossas vidas."

Stephen Hawking

"Deliciosamente interessante."

Scientific American

"Uma leitura espirituosa, adequada para qualquer praia ou avião. Mlodinow tem uma íntima percepção da aleatoriedade."

Austin Chronicle

"Se você é forte o suficiente para ter algumas de suas certezas favoritas desafiadas, leia 'O Andar do Bêbado' - uma história, uma explicação e uma exaltação da teoria da probabilidade."

Daniel Okrent, Fortune Magazine

"Mlodinow escreve num estilo leve, intercalando desafios probabilísticos com perfis de cientistas. O resultado é um curso intensivo, de leitura agradável, sobre aleatoriedade e estatística."

George Johnson, New York Times

"Um dos 10 melhores livros de ciência de 2008."

Amazon.com

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Lido: Múltipla Escolha - Lya Luft


Múltipla Escolha


Sinopse

A trajetória literária de 30 anos permite que Lya Luft volte à cena num ensaio que reflete sobre os caminhos do nosso tempo. Caminhos e direções que, em sua multiplicidade, indicam não apenas paisagens distintas, mas, sobretudo, escolhas.

Em "Múltipla Escolha", Lya indaga, debate e transgride com o fervor de alguém que refuta a mediocridade e escolhe a vida. Como se sobre um palco, cercada de portas simbólicas, o complexo mundo contemporâneo à frente, a autora convoca sua "tribo" para o necessário ritual de pensar. Em foco, questões fundamentais, como a velhice e a juventude, os novos dilemas e tabus da sexualidade, a comunicação virtual, as fronteiras entre o privado e o público, drogas, violência, bondade e perversidade, o mal-estar social: elementos-chave da nossa rotina diária.

Fala sobre esses "mitos modernos" que criamos para se tornarem senhores de nossa vontade e sobre os quais pondera num diálogo aberto com o leitor. "Gosto desse jeito mais direto de falar com meu leitor sobre, no fundo, partes do drama existencial humano, e algumas loucuras da nossa sociedade, nossa cultura. Sobre nadar contra a correnteza para não naufragar no espírito de manada destes nossos tempos. Enfim, esse tipo de ensaio, no sentido mais original da palavra, 'ensaiar - discorrer sobre algum tema', é mais um modo de me expressar. Simples assim", argumenta Lya.

Lya também rebate a suposta liberdade que alcançamos. Longe de uma sociedade livre, somos, nessa nossa cultura impositiva tão cheia de obrigações, prisioneiros padecendo do que a autora chama de síndrome do "ter de". "O 'ter de' é um feitor de escravos muito cruel. Ter de ser magra, linda, inteligente, forte, rico, blablablabla. A mim, sempre fora do esquadro, me impressiona a crueldade do 'ter de ser' físico. Acho que nos valorizamos muito pouco enquanto seres humanos pensantes".

Da busca pela eterna juventude à ética na política, passando pelas transformações da família, Lya Luft mostra o quanto estamos enredados em práticas opressoras e que é importante assumir as rédeas de nossa vida e o caminho da nossa sociedade e cultura.


domingo, 4 de julho de 2010

Imagens que não têm preço...




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Esta é a "foto do ano"

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A seguinte imagem é comovente!
A Doberman está grávida.
O bombeiro acaba de salvá-la de um incêndio em sua casa, a salvou e colocou no jardim,

e logo continuou sua luta contra o fogo.

Quando finalmente conseguiu apagar o fogo,

se sentou para tomar um pouco de ar e descansar.

Um fotógrafo do jornal Notícias da Carolina do Norte/EUA,

notou que a cadela observava a distancia o bombeiro.

Viu a Doberman caminhar direto até o bombeiro

e
se perguntou o que ela vai fazer.?

Assim que levantou sua câmera, o animal chegou até o homem cansado que acabara de salvar a sua vida e de seus bebês.


O fotógrafo captou o momento exato em que a cadela beijou o bombeiro.


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POUCOS DE NÓS HUMANOS, TEMOS O GESTO NOBRE DE AGRADECER A QUEM NOS FAZ O BEM.

ESSA FOTO NOS MOSTRA QUE ATÉ AS OUTRAS ESPÉCIES ANIMAIS TEM O SENTIDO DA GRATIDÃO.
O NÃO AGRADECER A QUEM NOS FAZ O BEM, DEMONSTRA O QUANTO
AINDA TEMOS QUE SOFRER PARA NOS TORNARMOS HUMANOS.







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"Não me interessa nenhuma religião cujos princípios não melhoram nem tomam em consideração as condições dos animais." (Abraham Lincon)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Guia

Guia

Nunca perca a vontade
que chegue logo o fim de semana
Dê valor a cada segundo
com aqueles que você ama
Durma tarde e acorde cedo
e de um só pulo saia da cama
Ame o outro como a si mesmo
e desvalorize dinheiro e fama

Trate bem o corpo e a mente
e respeite a sua vida
Coma o suficiente para viver
e não viva para a comida
Escolha bem as amizades
e se guarneça para a lida
Se divirta o mais que possa
mas sem vício e recaída

Seja grato ao que lhe dão
Saiba ver com os olhos dos outros
Seja otimista ao encarar a vida
Tome decisões com o coração
Mantenha a consciência limpa

E, a cada dia da sua existência,
aprenda algo e melhore em algum aspecto

terça-feira, 8 de junho de 2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

"Viver é dizer aos outros o quanto eles são importantes, o quanto os amamos porque depois eles vão embora e ficamos com a nítida impressão de que não os amamos o suficiente."Chico Xavier

sábado, 22 de maio de 2010

"Na vida, existe um tempo para todas as coisas e um tempo para cada coisa. Existe o tempo de trabalhar e o tempo de descansar. Existe o tempo de sofrer e o tempo de sorrir... Assim por diante, todos esses tempos, quando aceitos e vividos, são partes integrantes de toda a vida. Porém, num determinado momento, o homem pára, parece que escuta, às vezes não ouve; olha, mas nem sempre vê. É que chegou para o homem a hora da decisão: o momento inevitável de dar um rumo à vida e de descobrir um sentido no tempo de viver. Muitos são os caminhos, porém, outras tantas as escolhas. Cabe a cada um de nós a coragem de assumir a própria escolha."

domingo, 2 de maio de 2010

Os mistérios da rotina: uma análise do conto "A Auto-Estrada do Sul"

Só o mistério nos faz viver
Os mistérios da rotina: uma análise do conto "A Auto-Estrada do Sul"

Os pequenos grandes problemas do cotidiano ocupam todo o nosso tempo. Horários a cumprir, contas a pagar, compras a fazer. A rotina diária nos preenche mesmo que não percebamos, e naturalmente passamos a realizar as coisas automaticamente, sem pensar: o ato de efetuar um saque em um caixa eletrônico ou retirar mensagens no mailbox torna-se tão banal quanto beber um copo d'água. A rotina nos conforta mas ao mesmo tempo há um quê de mecanização nos gestos e atitudes que tomamos.

As relações humanas também se ressentem dessa pressa constante do dia-a-dia nas grandes metrópoles. Nossos amigos e contatos, muitas vezes, restringem-se aos grupos com os quais convivemos diariamente: o trabalho, a faculdade, a família. Quantos de nós ainda alimentam as amizades cultivadas no primário? Quantos ainda mantém contato com ex-colegas de um antigo emprego? Nas grandes cidades o tempo torna-se mais relativo ainda: filas e congestionamentos fazem com que todos tenham pressa; as multidões andam a passos apressados, sem saber o porquê. Como na canção da Paulinho da Viola, "Sinal Fechado", as nossas relações acabam se limitando a um "olá, tudo bem?", ou um "prometo que um dia desses te ligo". Contudo, este dia sempre está sendo adiado. Afinal de contas, temos muito o que fazer.

"A Auto-Estrada do Sul", primeiro conto do livro Todos os Fogos o Fogo, cuja primeira edição foi lançada em 1966, é um relato típico na obra de Julio Cortázar, que busca a redescoberta do sentido humano, perdido em mundo contraditório, caótico, perturbador.

A ação começa em um terreno bastante conhecido por qualquer paulistano, principalmente aquele que se arrisca a viajar para a praia em feriado prolongado: um congestionamento na auto-estrada do sul, que leva a Paris. Tal ocorrência faz com que um grupo bastante heterogêneo de pessoas, que jamais se conheceria em outras circunstâncias, seja obrigado a se relacionar. Elaborei um esquema destes personagens de acordo com a localização espacial de seus carros:

Turista de Washington do De Soto Casal de velhos do ID Citroen roxo Senhora do Beaulieu Fiat 600
2HP "Taunus" (líder), seu amigo e o menino com o automóvel de brinquedo Dois rapazotes do Simca Casal camponês do Ariane (almoxarifado geral)
Passageiro do DKW Moça do Dauphine Engenheiro do Peugeot 404 (vagão-leito/carro-ambulância) Duas freiras do 2HP (depósito suplementar)
Motorista indignado do Floride Casal do Peugeot 203 e sua filha Homem pálido e solitário do Caravelle Soldado e moça "recém-casados" do Volkswagen

O conto jamais revelará qual o motivo que causou o congestionamento-monstro que durará dias a fio, mas isso não possui a menor importância na história. Cortázar, ao lançar seus personagens nessa situação, pretende discutir como as relações humanas se tornaram tão fugidias, tão frágeis no mundo desumanizado das grandes metrópoles.

Na situação fantástica do conto, o tempo, tal como o conhecemos na contexto apressado dos centros capitalistas, perde todo o seu sentido: "qualquer pessoa podia olhar no relógio, mas era como se esse tempo, amarrado ao pulso direito ou ao bip bip do rádio, medisse outra coisa fora do tempo" 1.

A situação obrigará as pessoas a se conhecerem. O personagem principal do conto, o "engenheiro do Peugeot 404", trava contato com o pequeno microcosmos à sua volta: a moça do Dauphine, os rapazes do Simca, o casal de velhos do ID Citroen roxo, as freiras do HP, o Volkswagen do soldado e sua companheira, etc. Pouco a pouco estas pessoas, ao se conscientizarem de que a situação pelo qual estão passando não será tão passageira quanto imaginavam, sentirão a "sensação contraditória de enclausuramento em plena selva de máquinas concebidas para correr"2.

Forma-se então um novo grupo social que não tardará a elaborar uma série de regras de convívio. Afinal de contas, as pessoas estão acostumadas ao convívio em uma sociedade regida por leis, e possuem a necessidade de alguém que assuma um papel de liderança no grupo: escolhem um dos homens do Taunus. O conto, aliás, deixa bem claro que essa forma de organização se repetirá ao longo de todo o congestionamento: cada pequena aglomeração de carros elegerá um chefe. Mesmo em uma situação-limite como esta, os homens repetem as formas de organização a que já estão acostumados.

A vida continua, apesar dos incômodos e das privações. Carros tornam-se lares, e os personagens convivem como se fossem vizinhos de um condomínio: "os meninos do Taunus e do 203 tinham ficado amigos, depois brigaram mas logo se reconciliaram; seus pais se visitavam, e a moça do Dauphine ia de vez em quando ver como estavam passando a velha do ID e a senhora do Baulieu" 3. O Peugeot 404 do engenheiro será improvisado como um "vagão-leito" para os mais velhos. O Ariane do casal de camponeses se transformará em um "almoxarifado geral".

Mas nem todos mostrarão possuir a mesma capacidade de adaptação às circunstâncias: o motorista do Floride abandonará seu carro. Segue-se o suicídio do homem do Caravelle, ainda que o motivo seja o fim do relacionamento com "uma tal Yvette" 4, que o deixara em Vierzon. A solução é prática: o cadáver é deixado dentro do porta-malas do carro, e designa-se um dos rapazes do Simca para conduzir o Caravelle durante os poucos e parcos avanços do congestionamento.

Os moradores da região tratam os motoristas como forasteiros indesejados no local: "em plena noite, alguém jogou uma foice que bateu no teto do DKW" 5. Sabem que aqueles são homens da cidade que pertencem a um mundo completamente diverso do deles. Cortázar não alimenta ilusões a la Blade Runner: diferentemente do final do filme, o campo jamais é representado como uma ilha idílica e receptiva à fuga dos problemas urbanos. Estranhos são tratados como estranhos. Para se abastecer, os motoristas são obrigados a recorrer a intermediários: "o Ford Mercury e um Porsche apareceram todas as noites para traficar com víveres". 6

Esta última frase é o exemplo perfeito do uso que Cortázar faz das metonímias para nomear os personagens do conto. Ninguém é conhecido pelo seu verdadeiro nome. Mesmo que inconscientemente, todos sabem que os dias de convívio na auto-estrada do sul não passam de relacionamentos passageiros; como pessoas que se encontram no elevador ou em algum emprego temporário.

É o que acontece no relacionamento entre o engenheiro do Peugeot 404 e a moça do Dauphine, que acaba por engravidar. O engenheiro chega a alimentar a ilusão de que a relação tornar-se-ia duradoura, e "a idéia de ter um filho dela acabou por parecer-lhe tão natural quanto a distribuição noturna dos mantimentos ou as viagens furtivas até a beira da auto-estrada". 7 Homens adaptam-se facilmente a novas rotinas, e até mesmo a morte no meio do congestionamento é encarada com naturalidade: "tampouco a morte da velha do ID a ninguém podia surpreender". 8

Mas quando todos parecem estar acostumados à nova realidade, eis que as coisas se modificam: "ouviram o tumulto, algo como um pesado mas incontrastável movimento migratório que acordava de um interminável torpor e experimentava suas forças". 9 Cortázar parece querer nos dizer que não existe estabilidade duradoura na vida. Por mais confortável que as coisas pareçam estar, há sempre um elemento de mágico ou de inesperado na vida. A rotina é uma armadilha. Em vários sentidos.

Os carros põem-se em marcha cada vez mais acelerada. No princípio, o Peugeot 404 e o Dauphine correm lado a lado, mas paulatinamente o desencontro entre as diversas pistas paralelas da auto-estrada faz com que os carros afastem-se mais e mais. Logo chega uma hora em que o engenheiro não reconhece nenhum automóvel ao seu lado. "O 404 havia esperado ainda que o avanço e o recuo das filas lhe permitissem chegar novamente até o Dauphine, mas cada minuto o persuadia de que era inútil, de que o grupo se dissolvera irrevogavelmente, de que já não voltariam a repetir-se os encontros de rotina, os rituais mínimos, os conselhos de guerra no automóvel de Taunus, as carícias de Dauphine na paz da madrugada" 10.

À semelhança do soneto de Baudelaire, "A Uma Passante", a frieza das multidões faz com que um possível amor se dilua frente à imensidão das grandes cidades: "[...] fugitiva beldade/De um olhar que me fez nascer segunda vez,/Não mais hei de te rever senão na eternidade?/Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!/Pois de ti já me fui, não sei que fim levaste,/Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!" 11 O engenheiro deixou seu casaco de couro no Volkswagen do soldado. Um vidro de lavanda, no 2HP das freiras. Dauphine lhe deixou um ursinho de veludo no carro. Como rastros, lembranças que carregamos em nossa memória, mas que um dia vão embora. No entanto, a moça da Dauphine traz dentro de si um fruto daqueles dias na estrada; como disse Joyce, "o passado jamais passa".

Cortázar encerra o conto escrevendo: "[...] e se corria a oitenta quilômetros por hora em direção às luzes que cresciam pouco a pouco, sem que já se soubesse bem para que tanta pressa, porque essa correria na noite entre automóveis desconhecidos onde ninguém sabia nada sobre os outros, onde todos olhavam fixamente para a frente, exclusivamente para a frente". 12

O conto é uma crítica a este mundo no qual as relações, à semelhança da sociedade consumista e descartável em que vivemos, tornam-se cada vez mais passageiras. É um processo mesmo de "coisificação", como se homens se transformassem em objetos como carros. Uma sociedade na qual queimar índios ou fechar vidros para pedintes na rua torna-se um ato aceitável, facilitado pelo fato de evitarmos dar personalidades, almas a estas pessoas.

Além disso, é um ataque à aceitação passiva da rotina mecanizada em que vivemos. Em outra obra, Histórias de Cronópios e Famas, há uma parte em que Cortázar escreveu "manuais de instrução" para vários atos que repetimos constante e naturalmente: chorar, matar formigas, dar corda no relógio, subir escadas. Porque necessitamos reaprender o mundo - fazemos coisas de modo tão automático, tão "maquinizado" que já se esvaziaram de todo sentido.

A respeito da rotina, escreve Cortázar: "quando abrir a porta e assomar à escada, saberei que lá embaixo começa a rua; não a norma já aceita, não as coisas já conhecidas, não o hotel em frente; a rua, a floresta viva onde cada instante pode jogar-se em cima de mim como uma magnólia, onde os rostos vão nascer quando eu os olhar, quando avançar mais um pouco, quando me arrebentar todo com os cotovelos e as pestanas e as unhas contra a porta do tijolo de cristal, e arriscar minha vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal na esquina" 13. Como disse Garcia Lorca: "só o mistério nos faz viver".


1. CORTÁZAR, Julio. Todos os Fogos o Fogo. Tradução de Gloria Rodriguez. Civilização Brasileira, São Paulo, 5a. ed., p. 3.
2. Op. cit., p. 4.
3. Op. cit., p. 14.
4. Op. cit., p. 18.
5. Op. cit., p. 20.
6. Op. cit., p. 22.
7. Op. cit., p. 23.
8. Op. cit., p. 23.
9. Op. cit., p. 24.
10. Op. cit., p. 26.
11. BAUDELAIRE, Charles. "A Uma Passante", in Flores das "Flores do Mal". Tradução de Guilherme de Almeida. Ediouro, São Paulo.
12. Op. cit., pp. 27-28.
13. CORTÁZAR, Julio. Histórias de Cronópios e Famas. Tradução de Gloria Rodriguez. Civilização Brasileira, São Paulo, 1994, 5a. ed. pp 4-5.

http://ainagaki.sites.uol.com.br/textos


segunda-feira, 26 de abril de 2010

Pão com manteiga

Pão com Manteiga

Conta a história que um casal tomava café da manhã no dia de suas bodas de prata.
A mulher passou a manteiga na casca do pão e o entregou para o marido, ficando com o miolo. Ela pensou: "Sempre quis comer a melhor parte do pão, mas amo demais o meu marido e, por 25 anos, sempre lhe dei o miolo. Mas hoje quis satisfazer meu desejo. Acho justo que eu coma o miolo pelo menos uma vez na vida".
Para sua surpresa, o rosto do marido abriu-se num sorriso sem fim e ele lhe disse: "Muito obrigado por este presente, meu amor... Durante 25 anos, sempre desejei comer a casca do pão, mas como você sempre gostou tanto dela, jamais ousei pedir!"
Moral da história:
1. Você precisa dizer claramente o que deseja, não espere que o outro adivinhe...
2. Você pode pensar que está fazendo o melhor para o outro, mas o outro pode estar esperando outra coisa de você...
3. Deixe-o falar, peça-o para falar e quando não entender, não traduza sozinho. Peça que ele se explique melhor.
4. Esse texto pode ser aplicado não só pra relacionamento entre casais, mas também para pais/filhos, amigos e mesmo no trabalho.
PS: Tão simples como um pão com manteiga!