quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Quero ler - Lição Final

Lição que não se desfaz

Uma história real foi parar no YouTube e trouxe a discussão: quando não temos mais a idéia de eternidade pela frente, outra certeza ganha espaço. E ela diz que é preciso acolher a vida com suavidade mais vezes por dia. Texto • Kátia Stringueto Muita gente viu pela TV, outras pessoas pelo vídeo no YouTube. E milhares compraram o livro. Todas queriam conhecer a história do professor Randy Pausch – um americano de classe média que veio a público para contar que, aos 47 anos, sua vida estava sendo levada pelo câncer. E fez isso para uma platéia de 400 pessoas, entre alunos, colegas de profissão e a esposa, Jai. Depois de algum tempo combatendo um tumor no pâncreas descoberto em 2006, em agosto do ano passado, o professor fez novos exames de controle e constatou mais dez tumores, dessa vez mais agressivos e impossíveis de tratar.

“Meu médico falou em três a seis meses de boa vida pela frente e isso já faz um mês”, disse Pausch em sua palestra de despedida na Universidade Carnegie Mellon. “Talvez muitos esperassem uma palestra sobre a morte. Mas não: quero tratar aqui é da vida”, confirmou Pausch, com o sorriso simpático e o corpo aparentando boa forma. O impacto da notícia, o público e a mistura entre o sentimento de heroísmo e empatia que Pausch demonstrou ao expor o problema fizeram a “aula” chegar ao YouTube em instantes e, em poucos dias, a popularidade do professor tomou vulto dentro e fora do país.

A Lição Final, título da palestra que virou livro (ed. Agir), é o resultado de praticamente um mês de dedicação de Pausch transcrevendo a própria vida como uma forma de cuidar do sofrimento e perpetuar um legado para os filhos, ainda muito pequenos (de 6, 3 e 1 ano e meio). Pausch recebeu a ajuda do jornalista Jeff Zaslow, cuja coluna e vídeo no Wall Street Journal colaboraram para a divulgação da palestra. “Tentei me colocar numa garrafa que um dia aportasse à praia para meus filhos”, diz a certa altura, imaginando o momento em que as crianças terão idade para compreender o que se passou. A lição de Pausch despertou o interesse de 30 milhões de internautas. E seu livro figura em primeiro lugar na Amazon.com. O que todas essas pessoas buscam? Conectar-se com a vida. Pode-se arriscar que o motivo para mergulhar nas páginas desse relato é encontrar pistas para várias perguntas que assolam o espírito humano: o que será mais urgente dizer e fazer quando o tempo não é mais uma eternidade? O que vai nos dar a sensação de que não foi tudo em vão? Como tornar a despedida menos injusta? Poderia ser também uma curiosidade intrínseca do homem, como descreve o filósofo espanhol Fernando Savater: “Ignoramos o que é morrer visto de dentro”.

Para o professor de filosofia Jean Bartoli, de São Paulo, a história mexe com cada um de nós por outra razão mais simples. “Você sabe que é mortal. Mas você acredita que é mortal? O livro toca nesse ponto”, provoca. “Acredito que uma parte das pessoas vai ler e ficar indiferente ao tema, outra vai ficar irritada, achar bobo. E uma parcela vai se colocar no lugar do autor e assim poderá de alguma forma mudar o olhar sobre a vida. Por um momento, livros como esse abrem as cortinas para a realidade. Mas só quem está numa busca pessoal e reflexiva não deixará esse sinal virar só fogo de palha”, diz.

Fonte: Bons Fluidos

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