quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Sobre a síndrome de Van der Woude

Fonte: Jornal da UNESP

A partir da análise do genoma de dois gêmeos geneticamente idênticos, com a mesma seqüência de DNA, mas com fenótipos diversos – um deles nasceu com um lábio fendido –, três pesquisadores ligados à UNESP obtiveram a pista para encontrar o gene que causa uma forma hereditária de lábio leporino. Essa anomalia do rosto afeta um em cada 700 bebês nascidos e só costuma ser resolvida com cirurgia. Além do aspecto estético, a anomalia gera dificuldades para falar e comer corretamente, principalmente quando o problema nos lábios vem acompanhado por uma fissura no palato, o céu da boca.
O trabalho, publicado em outubro último, na revista Nature Genetics (www.nature.com/ng), uma das mais conceituadas publicações científicas do mundo, foi realizado em parceria com pesquisadores norte-americanos e europeus e pôs fim a uma busca de 16 anos pelo gene causador da síndrome de Van der Woude, a mutação genética mais comum responsável pelo desenvolvimento da deformação labial. Como a chance de os pais portadores da síndrome gerarem um filho com a mesma doença é de 50%, os pesquisadores estão oferecendo aos interessados a fertilização assistida para saber quais zigotos carregam o gene IRF6 – responsável pela codificação de uma proteína reguladora que é produzida na face durante o período embrionário – normal. “Podemos agora impedir que filhos de pais portadores da síndrome nasçam com a doença”, diz o biólogo Danilo Moretti-Ferreira, do Instituto de Biociências da UNESP, campus de Botucatu.

MEDO DA LESÃO

Já existe um cadastro com cerca de 46 mil pacientes em atendimento nos serviços da Faculdade de Medicina da UNESP, campus de Botucatu, e no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), conhecido como “Hospital do Centrinho”, da USP, em Bauru. “Muitos destes pacientes, que vêm sendo atendidos por nós há vários anos, já estão na idade de ter filhos, mas não o fazem por medo de tê-los com a mesma lesão”, afirma o médico Antonio Richieri-Costa, docente do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da UNESP, campus de Marília, e do Hospital do Centrinho.
A mutação do gene IRF6 do cromossomo 1 faz com que o processo de crescimento da região dos lábios e do céu da boca não se complete, gerando a malformação. A mutação foi descoberta justamente a partir da observação da seqüência genética de um par de gêmeos, hoje com seis anos, um com a doença e outro são, atendidos, em 2001, no Hospital de Bauru, especializado no tratamento das lesões lábio-palatais. Como só um dos gêmeos tinha o problema, era provável que uma mutação tivesse ocorrido em um dos meninos, gerando a doença. “Primeiro, tivemos que comprovar que eles eram monozigotos, isto é, que o embrião tinha o mesmo DNA. Depois, fizemos a leitura da seqüência de 15 genes de ambas as crianças em regiões onde já se suspeitava que estava o gene associado à doença”, conta a bióloga Renata Ferreira de Lima, integrante da equipe de pesquisadores que identificou o gene e que apresentou seu mestrado no Instituto de Biociências (IB) da UNESP, campus de Botucatu.
Descoberta a mutação do IRF6, os pesquisadores buscaram a confirmação do achado a partir da leitura da seqüência genética de 120 pacientes com a síndrome Van der Woude. A partir daí, através de um marcador do anticorpo em ratos, a equipe de pesquisadores descobriu qual a proteína gerada pelo gene IRF6 e como e onde ela se expressava. “Precisávamos de uma prova física que indicasse que a mutação daquele gene realmente se manifestava na formação dos lábios”, explica Moretti-Ferreira.
A síndrome recebeu o nome de “lábio leporino” porque as pessoas afetadas têm fissuras ou dobras que deixam os lábios parecidos com os de um coelho ou lebre, lepore em latim. Como há 45 diferentes mutações possíveis no mesmo gene IRF6, a próxima etapa das investigações é saber quais delas são as mais freqüentes no Brasil e se são diferentes em comparação com as que aparecem em outros países. “Isto vai facilitar o diagnóstico e antecipar o tratamento da doença”, afirma Richieri-Costa.
Júlio Zanella


FORÇA-TAREFA
Descoberta envolveu 16 instituições de cinco países

Publicar uma pesquisa na revista Nature, um dos mais importantes periódicos científicos do mundo, é uma façanha e tanto. Principalmente quando se trata de descoberta feita por autores de países com menor tradição em pesquisas, como o Brasil. A investigação científica realizada para a descoberta das mutações que podem gerar a síndrome de Van der Woude, por exemplo, envolveu cinco países, 16 instituições e 26 autores. “Sem parcerias não teríamos comprovado as nossas suspeitas com tanta agilidade e a nossa pesquisa não teria sido publicada com tanta rapidez”, admite a bióloga Renata Ferreira de Lima, do Instituto de Biociências (IB) da UNESP, campus de Botucatu.
Co-autora do artigo, Renata integrou a equipe que desenvolveu parte da pesquisa na Universidade de Iowa, nos EUA. Os estudos foram feitos em conjunto com as equipes dos pesquisadores Jeffrey Murray, norte-americano, e Peter Mouse, escocês. Os pesquisadores brasileiros fizeram a análise clínica dos gêmeos e o início da comprovação da zigosidade e os norte-americanos realizaram a determinação da zigosidade por meio de análises moleculares. Com a participação decisiva do material colhido junto aos gêmeos, foi finalmente encontrado o gene e realizada a análise da expressão gênica do gene IRF6.
(J.Z.)

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